Camaçari carece de um plano de mobilidade urbana

   Que mobilidade urbana queremos?
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Lotação e desorganização no Ponto de Ônibus do Centro Comercial
Camaçari vem crescendo vertiginosamente a cada ano. O Polo Industrial, os complexos turísticos, a expansão do mercado imobiliário e a dinamização do comércio local atrai uma população cada vez maior para o município em busca de novas oportunidades. Em 2012, a população de Camaçari foi estimada em 255.238 habitantes, tendo como referência o censo de 2010 do IBGE. Esse crescimento exige da gestão pública municipal um plano de mobilidade urbana.
Instituída em janeiro de 2012 pela Lei 12.587, a Política Nacional de Mobilidade Urbana é um instrumento da política de desenvolvimento urbano e tem como objetivo integrar os diferentes meios de transporte, bem como melhorar a acessibilidade e a mobilidade das pessoas e cargas no território do nosso município. Foi com base nessa política que nossa reportagem foi às ruas observar o funcionamento dos diferentes meios de transporte, suas infraestruturas, sua gestão e sua integração.
Linha da Cooperunião
Linha da Cooperunião
Coletivo – Saindo de Arembepe, um primeiro problema surge no transporte coletivo. Somente uma linha faz o trajeto direto da comunidade até a sede do município. A R$2,40 a tarifa recentemente atualizada, os veículos da Cooperunião passam pelas comunidades de Coqueiro e Areias antes de seguir pela Estrada do Coco e pegar a via Cascalheira (BA 531). A professora Marizete Lima, 56, queixa-se da dificuldade de locomoção nos domingos. “Sabendo que o fluxo em direção à praia é maior, a cooperativa deveria colocar mais linhas nos dias e horários de maior uso”, sugere.
A maior parte da população da orla também se queixa da superlotação nos horários de pico e da falta de limpeza nos veículos da Cooperunião. Faltam lixeiras nos ônibus dessa cooperativa. Ambulantes vendem bebidas e guloseimas. Usuárias e usuários vão jogando os papéis pela janela. Experimentamos pedir ao cobrador uma lixeira. “Pode jogar no chão, depois a gente varre”, foi a resposta do cobrador. Esta é só uma mostra do quanto os cooperados ainda precisam de qualificação na prestação do serviço, se é que se sentem como cooperados, já que se referem ao gestor da cooperativa como dono.
Integração deficiente – No Terminal de Integração Sede e Orla (TISO), o problema é a desorganização. A estrutura foi construída e entregue ao acaso, sem banheiro público, sem agentes que ajudem a população a manter a limpeza e organizar as filas. Uma melhor gestão nas infraestruturas urbanas de transporte público ajudariam e muito na melhoria do serviço.
Chegando ao centro da sede, para ir a um bairro periférico só pegando outro ônibus na Estação da Rodoviária. Se for em horário de pico, desista de ir de ônibus. É melhor pegar um táxi ou mototáxi. Resultado: para quem mora na periferia o transporte acaba saindo mais caro. Para promover um maior fluxo das pessoas entre os bairros periféricos e o centro da sede, e de lá para a orla, é necessário integrar o sistema para garantir o pagamento de uma única tarifa. Isso pode ser feito no terminal da Rodoviária de Camaçari, desde que haja adequação.
No lugar onde deveriam ser visualizadas as informações sobre linhas e horários, muita poluição visual.ponto_ônibus_poluicaovisual_nenhumainformacao (2)

Como a integração sequer está no papel ainda, decidimos descer no Terminal e pegar um novo ônibus mais adiante, no ponto do SAC. O ponto chama a atenção pela falta de informações sobre as linhas, itinerários e horários, um direito garantido pela Lei 12.587. No vidro onde deveria estar o cartaz da Superintendência de Trânsito e Transporte (STT) com estas informações, muitos cartazes publicitários e protestos manuscritos contra a homofobia e pelo fim da violência contra a mulher. Mas a desinformação nos pontos de ônibus da cidade é geral.

Um olhar especial sobre o Verde Horizonte
Márcia
A estudante Márcia Leite, à esquerda.
Foi no Ponto do SAC que conhecemos Márcia Santos, 26, estudante de contabilidade e moradora do bairro Verde Horizonte, campeão em reclamações. Enquanto esperava o coletivo ela topou ceder uma entrevista. “O serviço é péssimo. Os horários não são cumpridos. Quando o ônibus passa, já vem superlotado, principalmente nos horários de pico”, disse. Perguntamos a Márcia se ela toparia nos acompanhar de ônibus até o bairro. Ela topou e entramos no coletivo da Cooastac a R$2,10 a nova tarifa.
É incrível como a paisagem vai mudando e a cidade vai ficando cada vez menos urbanizada. “Veja que
Sem pontos de ônibus, Verde Horizonte tem transporte ainda mais lento.
Sem pontos de ônibus, Verde Horizonte tem transporte ainda mais lento.
não tem pontos de ônibus”, alerta a moradora. No itinerário que fizemos, constatamos somente uma placa de ponto de ônibus no Posto de Saúde do bairro. O motorista é obrigado a parar a qualquer levantar de braço.
Napoleão Leite, 50, é bombeiro e esperava há mais de uma hora num ponto de ônibus sem qualquer infraestrutura após dar um plantão de 12 horas no trabalho. “A prefeitura não põe ponto no lugar determinado, que seria o ideal. Aí você pede o ponto, o motorista não para, vai parar mais adiante”, reclama. A gente reclama na ouvidoria, pela internet, liga, denuncia para os jornais, mas o serviço continua o mesmo, o dono da cooperativa também não faz nada”, desabafa.
Motorista é obrigada a parar para retirar os cavaletes e só então seguir viagem.
Motorista é obrigado a parar para retirar os cavaletes e só então seguir viagem.
O motorista Ramiro Júnior atribui a lentidão do serviço à falta de gestão da STT nos bairros periféricos. “Faltam agentes de trânsito, pontos de ônibus e outras infraestruturas de trânsito e transporte”, disse. Ele lembra que já foi feito um mapeamento das necessidades de infraestrutura de transporte público de Camaçari e um relatório já foi passado para a STT, mas até hoje poucas obras foram realizadas. No itinerário que fizemos, foi possível constatar essa carência. Uma rua foi bloqueada para obras pela própria prefeitura sem que a STT colocasse sequer um agente de transito para orientar os motoristas. No itinerário que fizemos, o motorista foi obrigado a parar, descer do veículo e retirar os cavaletes.
A reportagem da Nossa Camaçari tentou entrar em contato com Ramiro Sena, presidente da Cooastac, para saber como a cooperativa está se planejando para resolver os problemas no Verde Horizonte, mas a secretária informou que ele estava em reunião. Pedimos agendamento de uma entrevista, mas até o fechamento desta edição nenhum retorno foi obtido.
Em Camaçari, existe uma média de 140 veículos registrados no transporte alternativo. Uma nota divulgada pela assessoria de comunicação no dia 29 de agosto de 2011 revela que a Viação Cidade Industrial opera na sede com 36 veículos. Se os dados ainda são esses, Camaçari só dispõe de uma frota de 176 coletivos para uma população de quase 260 mil habitantes. Ainda é muito pouco.
Para especialistas, regiões metropolitanas como Camaçari devem investir em veículos leves sobre trilhos como alternativa ao ônibus. “Ainda que utilizem faixas exclusivas, os ônibus ainda são muito mais lentos que o transporte sobre trilhos. Outro problema é que a sua capacidade é muito baixa para atender a uma população em crescimento, e eles aumentam as emissões de poluentes dentro da cidade”, alertou o executivo Ricardo Kenzo, da Siemens no Brasil. Uma solução para Camaçari seria readequar o transporte ferroviário para passageiros. Para se ter uma ideia, a linha férrea passa pelo bairro Verde Horizonte e segue pelo centro, bem em frente à Catedral.
Bicicletário do Centro Comercial
Bicicletário do Centro Comercial
Não motorizados – De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, o transporte não motorizado deve ter prioridade sobre o motorizado na gestão pública. Isso significa que no planejamento urbano a construção de ciclovias deveria ser prioridade. Já é possível ver ciclovias nas novas obras de revitalização urbanística de Camaçari, mas são obras isoladas, que ainda estão longe de garantir a integração entre os bairros afastados e o centro comercial da sede. E mesmo o centro da cidade carece de ciclovias.
Alex prefere se deslocar de bicicleta, apesar dos riscos.
Alex prefere se deslocar de bicicleta, apesar dos riscos.
Alex Santos prefere pedalar. Ele vai de bicicleta do bairro onde mora, no Limoeiro, até o centro. “Como o serviço de transporte público ainda é muito lento, sempre que posso prefiro ir de bicicleta, mas é perigoso, faltam ciclovias e em alguns trechos tenho que descer e ir andando pela calçada porque os motoristas não priorizam pedestres e ciclistas como deveriam”, disse. Nossa reportagem o encontrou chegando a um banco privado na Praça Abrantes. Lá tem bicicletário, mas na maioria dos estabelecimentos públicos e privados da cidade faltam esses equipamentos.
Agentes trânsito – Sobre os agentes de trânsito, é possível ver esses funcionários apenas no centro da cidade. Lá eles estão todos muito bem preparados para o serviço. Em novembro de 2012, a STT realizou uma qualificação para 20 novos agentes aprovados no concurso público de 2009. “O ingresso de novos servidores permite a otimização das ações de fiscalização, assim como a melhora no atendimento oferecido pelo transporte público aos idosos e pessoas com deficiência”, avaliou a então diretora superintendente da STT, Beatriz Liebanas.
Há demanda por mais estacionamentos públicos na cidade.
Há demanda por mais estacionamentos na cidade.
Individual – No que se refere ao transporte individual motorizado, como carros e motos, o município ainda precisa avançar mais na construção de estacionamentos públicos estratégicos. Desta forma pode evitar os engarrafamentos nos centros comerciais. Com estacionamentos e vias bem calçadas e arborizadas, as pessoas são estimuladas a deixar seu carro em local seguro e ir a seus destinos a pé.
Um gerente comercial que não quis se identificar ressalta que usa muito os estacionamentos para trabalhar e sente falta de estacionamentos públicos. “Como uso muito, acaba saindo cara a taxa do estacionamento privado”, disse.
Deficiência do Transporte Público fomenta o individual – Os instrumentos de controle social do transporte público são frágeis, assim como também são frágeis as associações de moradores e organizações sociais que poderiam cobrar os direitos coletivos. Individualmente, camaçarienses se cansam de reclamar e partem para um meio de transporte individual, quando podem. Uma opção aparentemente mais barata é a moto. No comércio são muitas as estacionadas em frente às lojas. E cresce o serviço de mototáxi. Tanto que contraditoriamente a STT criou um gerência de transporte individual especial.
No dia 04 de abril, a prefeitura divulgou nota oficial convocando os mototaxistas a fazerem o recadastramento. A renovação do alvará deve ser efetuada pelos 780 mototaxistas que exercem a atividade no município. Já a liberação de placa contempla 220 pessoas que pretendem atuar no ramo. Até 10 de maio, quando a STT finaliza a vistoria das motos, Camaçari terá 1000 mototaxistas prestando serviço em todo o município. A tarifa já está custando em média R$4.
O mototaxista Nilton Oliveira reivindica mais investimento em pontos.
Nilton Oliveira reivindica mais investimento em pontos.
Nilton Oliveira, 31, é mototaxista cadastrado e paga a taxa anual. Ele se queixa da infraestrutura. “Faltam mais pontos para os mototaxistas. Ponto em calçada ou beira de rua para mim não é ponto, disse”. Ele sugere que os pontos sejam melhor localizados, com uma estrutura mais adequada, iluminação e banheiro público. “O que queremos é que a prefeitura esteja sempre atuante, atenta às necessidades de formação e de infraestrutura dos mototaxistas e usuários”, concluiu.
Para o mototaxista Claudionor Santos de Jesus, 23, o cadastramento aumentou a confiança da população em relação ao serviço prestado pelo mototaxista. “O curso que tomamos nos ajudou a oferecer um serviço melhor e mais seguro, aprendemos o modo correto de transportar pessoas na moto e como proceder diante de acidente. Só está faltando mais fiscalização dos órgãos competentes com relação aos clandestinos”, disse.
Durante um mês, nossa reportagem tentou agendar uma entrevista com o superintendente de Trânsito e Transporte, o senhor Claudécio Taroba, para saber quais procedimentos estão sendo tomados diante dos problemas de mobilidade urbana, mas a conversa foi adiada. A secretária Maria Eugênia Marcovaldi admitiu que os dados solicitados sobre os indicadores de desenvolvimento no que se refere ao transporte ainda serão construídos. “Nós temos um estatístico, estamos fazendo o diagnóstico do município e vamos elaborar o plano municipal de mobilidade urbana”, assegurou.
Plano de Mobilidade Urbana - Entre orla e sede, entre centros comerciais e bairros periféricos, o que percebemos é que o município precisa elaborar um plano de mobilidade urbana para acessar os recursos do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana e garantir a execução de projetos que melhorem a infraestrutura de transporte, a exemplo de vias, ciclovias, linhas férreas, calçadas, sinaleiras, faixas e passarelas. Há muito o que revitalizar e ampliar.
Para o coordenador executivo da Rede Nossa Camaçari, Eraldo Reis, é necessário que a sociedade civil organizada de Camaçari cobre a elaboração participativa do plano de mobilidade integrado ao plano de desenvolvimento urbano até no máximo 2015, conforme orienta nossa legislação. “Sem esse plano, corremos o risco de ficarmos com pouco ou nenhum recurso para investir na melhoria do transporte”, concluiu.
Por Raquel Salama